terça-feira, 8 de outubro de 2013

Nevasca -- Quinta Parte [ Mariana ]

 O mundo coloria-se ao meu redor. Minha cabeça doía e o corpo latejava, a imensidão branca ardia os olhos. Observava incrédula e perdida ao meu redor, tentava achar algum sentido à tudo que ocorrera enquanto estive presa e desacordada. Haviam estilhaços de algo que tornara-se rubro por um rastro de sangue que chegava à um ser que estava agachado em meio a neve. Em um momento de sanidade, percebi: Precisava ser breve. O nobre cavaleiro estava de joelhos e envolto por uma enorme poça vermelha que parecia provir dele. Por mais que estivesse com vestes finas, o desespero aquecia-me. O monstro no alto da montanha já não urrava mais em meus ouvidos, parecia morto ao longe. Talvez fosse a minha libertação a causa desta morte, mas eu não podia pensar tanto nisso agora. 
 Levantei e aproximei-me trôpega até o cavaleiro, minhas pernas não moviam-se direito por causa do frio cortante. Estava agachado e apoiado sobre as pernas, com o corpo escondia os braços e ao seu lado repousava ensanguentado um pequeno punhal prateado. Por trás, ouvia-se um barulho distante, pareciam feras rugindo em agonia. Desviei o foco do horizonte e busquei seus olhos, contudo estava muito fraco e apenas fitou-me por entre os cabelos que lhe cobriam a face. Não sabia o que fazer e deduzi que devia-lhe minha vida. Delicadamente, peguei um de seus braços: um corte imenso o cobria. Puxei sua capa e amarrei uma das pontas com cuidado fechando o ferimento, com esperanças de que o estancaria. Ele olhava-me surpreso, parecia querer dizer algo mas as palavras morriam em sua garganta. 
 Mais uma vez um grito destoava ao horizonte gélido, e eu dizia à mim mesma que estava tudo sob controle... ou deveria ficar. Fitei-o com um sorriso triste,  tentando conter os pensamentos ruins que me assombravam. Acariciei levemente seu rosto com as costas das mãos que estavam limpas em uma tentativa de acalmá-lo e continuei à analisar os cortes que lhe esvaiam a vida. Era um homem belo, diferente aos padrões que se via, suas características se harmonizavam perfeitamente. Observava-me calado, apreensivo e enfraquecido: seu olhar tinha um brilho distante no qual eu perdia o senso de tempo observando-o. O frio castigava-me e estremecia, porém não poderia deixar este brilho perder-se de vez.
 Corri rapidamente com os olhos ao nosso redor em busca de algum lugar para o acolher da nevasca que aumentava gradativamente. Desprendi a capa de seu pescoço sem que percebesse e a envolvi mais aos ferimentos para conter o sangue que o banhava gota à gota. Eu via o seu declínio próximo, podia sentir a dor que o torturava pela expressão séria que ele fazia a cada leve movimento meu. De alguma forma um sorriso esperançoso ilustrava minha face, não havia cogitado ainda a ideia de perdê-lo.
 Havia uma ravina próximo à nós. Estudava mentalmente como o levaria até lá, havia esquecido completamente do frio e não notara que, no horizonte, quatro figuras estranhas surgiam. Estava perdida... Sussurrei em seu ouvido que precisava levá-lo até o abrigo e ele olhava dentro de meus olhos como se relutasse minimamente. Por mais que fosse menor e mais baixa que ele, o ergui cuidadosa e forçosamente, em passadas curtas nos aproximamos da clareira, que parecia pequena à uma meia distância.
 O recostei em um grande aglomerado de gelo que havia na entrada da grande ravina e o cobri com o restante livre da enorme capa . Começava à suar frio e seus lábios se mexiam na tentativa de pronunciar-me algo. Lágrimas tímidas brotaram em meus olhos, sentia que nada podia fazer. Segurava seus braços com uma mão e com a outra, acariciava seu rosto tomado pelo suor. Havia uma sintonia em nós que se perdia lentamente, minha cabeça latejava de tanto tentar buscar soluções...
 Um barulho estremeceu-me e tirou meu olhar dele. Havia esquecido das criaturas que surgiam ao longe. Estas estavam sobre a grande mancha de sangue que havia ficado para trás e pareciam farejá-la. Concluí que estavam em busca dele, do cavaleiro. Lembrei-me do punhal, mas onde o havia deixado? Olhei apressada para o nosso redor, o punhal havia se perdido. Mas percebi que o cavaleiro trazia algo em sua bainha. Ele seguiu meu olhar e com um gesto com a cabeça, assentiu que eu a pegasse.

 Retirei a espada da capa com medo, eu não sabia lutar. Ainda agachada olhei para o moço de relance e, com um sussurro quase sem som, dizia-me de alguma forma para matá-las. Pensei pesarosamente, não deveria deixar de tentar. Levantei-me sem jeito, ela puxou meu braço para baixo enquanto eu fazia força para erguê-la. Fechei os olhos e concentrei-me, não podia fraquejar logo agora.

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